quarta-feira, 28 de março de 2012

Jamapará vira distrito fantasma no interior do Rio

Quase três meses após tragédia que matou 22 pessoas em Sapucaia, 248 casas permanecem interditadas em cenário de completo abandono
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Foto: Isabela Kassow Ampliar
Jamapará, 248 casas interditadas. Apenas o cemitério está liberado pela Defesa Civil
Um clássico da literatura mexicana, “Pedro Páramo”, escrito por Juan Rulfo, se passa num vilarejo abandonado chamado Comala, povoado situado próximo às montanhas e a um rio. A área urbanizada tem algumas casas e nada mais. Jamapará, distrito que faz parte do município de Sapucaia, centro-sul fluminense, tem em comum com esta e outras tantas cidades imaginárias o fato de ser desértico. E só. Todo o restante de Jamapará é real. Não há quase ninguém morando nas dezenas casas que se mantêm sólidas às margens do rio Paraíba do Sul.
Relembre o caso:
Há cerca de três meses, no dia 9 de janeiro, uma forte chuva atingiu a Região do Médio Paraíba, a 145 quilômetros da capital. Por volta das quatro horas da manhã, uma pedra se deslocou do alto do morro atingindo construções das ruas Sebastião J. Morais Amaral Peixoto, Waldir Baião e rua dos Barros.
Vinte casas foram inteiramente soterradas. Foram perdidas 22 vidas, sendo 12 homens, 6 mulheres e 4 crianças (um menino e três meninas). Há um mês um padre apareceu por lá e rezou uma missa ao pé do morro, fincando cruzes de madeira com os nomes das vítimas.
O que a chuva não levou conta a história deste vilarejo quase varrido do mapa. As ruas dos Barros e Sebastião Morais quase não existem. É onde a destruição foi maior. Não há quase nada por inteiro. Três galinhas correm por entre barro e pedras, tijolos e restos de roupas, vergalhões e entulhos do que um dia foi parte da vida de centenas de moradores.
Os desalojados foram para abrigos da prefeitura, sendo que 40 dessas famílias permanecem em acampamentos improvisados. Desde a tragédia, a Defesa Civil do município interditou 248 imóveis pelo risco iminente de novos deslizamentos. “Existe o risco, porque não há tranquilidade na movimentação das terras”, alerta Marco Antonio Francisco, secretário de Planejamento do município.
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Foto: Isabela Kassow
Cruzes ocupam o cenário da tragédia, ocorrida no dia 9 de janeiro
Silêncio e angústia
A reportagem do iG passou um dia em Jamapará e se deparou com alguns poucos personagens que parecem à espera de acordar de um pesadelo ficcional. Ana Beatriz da Silva, de 43 anos, surge assim, do nada, chamando pelo repórter. Quer contar sua história. “Nasci e fui criada aqui. Tudo se perdeu. A cada dia é um sofrimento diferente, não tenho mais nada. Parece que não vivo mais, que não tenho o que fazer neste mundo”, diz. A desolação de Ana Beatriz, que vive com o dinheiro que recebe do Bolsa Família, é condizente com o cenário.
A rua em que ela morava era a principal de localidade. Ao seu final está situado o cemitério da cidade, para onde foram os 22 corpos encontrados após as chuvas. “Meus vizinhos foram todos para ali, amigos de décadas”, aponta Ana Beatriz para o muro branco e baixo, de onde se podem avistar as lápides mais altas. A rua começa no ponto mais crítico do desmoronamento, marcado por cruzes, e termina no cemitério.
Assim como alguns outros poucos moradores, a dona de casa frequenta seu antigo domicílio ainda inconformada. “Estou na casa da minha irmã agora, saí do abrigo. Mas venho aqui sempre ver minha casinha”. O lugar está vazio. Pouca mobília resiste na sala e nos três quartos. Ana Beatriz conta que semanas após a tragédia as casas foram alvo de furtos. Levaram até as caixas d’água. De maçaneta das portas à fiação elétrica. “Teve gente encostando caminhão aqui, gente de longe, que veio saquear nossos pertences”, conta.
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Foto: Isabela Kassow
Ana Beatriz teve que deixar sua casa em Jamapará
“Um pouco de vida”
O pedreiro José Carlos Aguiar, 54 anos, com uma enxada apoiada no ombro esquerdo, conta que às vezes traz uma gaiola com pássaros e deixa o dia inteiro pendurada em uma árvore. “É para trazer um pouco de vida a isso aqui. Olha como está tudo em volta. Jamapará é uma tristeza sem fim”, diz.
Curiosamente as correspondências não deixaram de ser entregues. Há cartas jogadas no quintal de algumas casas fechadas, incluindo cobrança da companhia de água. Não há mais abastecimento de luz e água nestas ruas. “Não é bom ficar por aqui sem luz, é perigoso. Nunca se sabe o que vamos encontrar pela frente”, aconselha Almir Soares, 52 anos, com um pedaço de cana e facão nas mãos.
O aposentado é um dos poucos que ignoraram os avisos dos órgãos públicos e retornou para sua casa. “Ficar em abrigo é muito ruim. Não é vida aquilo lá. Quero ficar na minha casa. E seja o que Deus quiser. Assinei um termo de responsabilidade e voltei para o meu cantinho”, diz. Almir conta que, desde 9 de janeiro, não consegue mais ter noites de sono tranquilas. “Acordo achando que vai vir tudo abaixo. Ainda consigo ouvir os gritos de socorro, de gente correndo, dos vizinhos indo rua abaixo procurando lugar seguro para ficar, e a chuva caindo forte. Acordei desesperado, foi difícil até de procurar a porta de casa para sair”, relata.
Entre seus vizinhos mortos estava uma família que tentou fugir do desabamento procurando abrigo em um fusca. Duas mulheres, dois homens e uma criança foram soterrados no veículo, encontrado dois dias depois. “Era tudo gente de bem”, lamenta Almir.
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Foto: Arte iG
Deslizamentos que provocaram mortes em Sapucaia ocorreram em dois pontos
Almir se senta em uma pedra na frente de seu portão, no final da rua Amaral Peixoto e observa a fotógrafa subir no muro do cemitério para buscar o ângulo de uma foto. “Sobe ali mais atrás, que você consegue ver o rio também”, palpita, mastigando um gomo da cana que acabara de cortar. Ele pede para não ser fotografado. “Minhas filhas moram no Rio e não imaginam que voltei para cá. Se sabem, ficam desesperadas”, afirma.
“Alguns poucos voltaram, mas não é mais uma área segura para se viver”, diz o secretário Marco Antonio Francisco. A prefeitura informa que todas as casas serão demolidas e há planos para a construção de novas moradias em outra localidade do município. “Estamos juntando documentação para solicitar verba do governo Federal para construir novas casas”, explica Marco Antonio.

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